quinta-feira, 16 de setembro de 2010

A NARRATIVA E O NARRADOR por Altenir Silva


Uma história bem contada é o resultado de uma série de fatores vivido pelo seu contador. Não acredito que alguém encontre a maneira certa de contar uma boa história por seguir uma cartilha ou uma pretensão de romper com os padrões narrativos. O que importa é o momento e a situa-ção enfrentada pelo roteirista. Exemplo: Imaginem que num vagão de trem estão três homens, são eles: Quentin Tarantino, Steven Spielberg e Woody Allen. De repente, surge um casal. Os dois estão discutindo, não dá pra ouvir o que eles falam. Após algum tempo, o homem, num ge-sto transloucado, avança sobre a mulher e a estrangula, deixando os nossos três cineastas de boca aberta e sem reação. Após o homem matar a mulher, ele se atira do trem. Quando o trem chega na estação, os três cineastas, testemunhas do crime, são chamados para prestarem de-poimentos. Na sala do investigador, Tarantino é o primeiro a depor. O investigador, ao invés de perguntar como foi que aconteceu o crime-suicídio, ele quer saber do depoente a sua opinião sobre a tragédia, pois tanto o assassino como a vítima estão mortos e não há mais nada a fazer, o investigador precisa apenas cumprir sua rotina. Tarantino, pára por uns 38 segundos, e logo dispara a sua metralhadora verbor-rágica sobre o que teria levado o casal àquela tragédia:
VERSÃO DE TARANTINO
Eles estavam indo para Boston. Ele acabou de sair da cadeia - estava cumprindo pena por assalto à banco - mas antes de ir preso, deixou o dinheiro dos seus assaltos para o irmão da moça depositar num banco. Não é que o rapaz resolveu aplicar a grana na bolsa de valores, com-prando ações da rede de lanchonete HAMBURGATTOR, que após servir lanches estragados, faliu e afundou com todos os seus investidores. A grana não existe mais e o cara só descobriu isso um pouco antes de em-barcar no trem. A moça defende seu irmão e para piorar a situação, a idéia de investir o dinheiro com as ações da lanchonete foi dela. O cara, agora sem grana e ainda tendo que cumprir a condicional, enlou-quece e sem perspectiva de vida, acaba matando a moça.
VERSÃO DE WOODY ALLEN
Os dois embarcaram no trem para uma viagem de lua-de-mel. O rapaz é um professor de filosofia; enquanto a moça é uma crítica de arte moderna. Se conheceram numa sessão de cinema de arte que exibia "POCILGA" de Pasolini. Ele já havia visto o filme mais de oito vezes. Ela estava vendo pela primeira vez. Quando a luz acendeu anunciando que sessão terminara, os dois descobriram que estavam sentados lado a lado, e num efeito mágico pós-filme, começaram uma conversa sobre "vida, divindade e morte". A conversa durou a noite inteira e se prolongou até o final do dia seguinte - foi então que descobriram que a conversa ia ser mais longa do que o previsto e decidiram se casar. Na viagem de trem, o ra-paz percebe que é impossível viver em um mundo assim, e num gesto transloucado, ele a estrangula e depois se mata, acreditando que os dois possam ser felizes em uma outra dimensão.
VERSÃO DE SPIELBERG
O jovem casal apaixonado estava fugindo de suas famílias. Os dois man-tinham um namoro escondido, pois seus pais são concorrentes nos negó-cios de fabricação de chips - Tudo começou quando um descobriu que o outro estava realizando espionagem industrial - A guerra foi declara-da, só que a ironia do destino fez com que seus filhos se apaixonas-sem. Impedidos de viver essa paixão, eles fogem de trem e simulam o crime-suicídio, tipo Romeu e Julieta, todos vão pensar que os dois es-tão mortos, mas na verdade, eles estão felizes em alguma cidade do Mé-xico. O investigador então pergunta para Spielberg de quem são os corpos que foram encontrados (o corpo da moça ficou no trem e o corpo do rapaz fora encontrado perto do trilho). Spielberg diz que isso é a lógica, a realidade, e o que mais importa pra ele é o sonho. O inves-tigador passa a mão em seu bigode (ele tem um) e dispara: "SE VOCÊ PREFERE O SONHO, POR QUE PRECISA DA REALIDADE?" Spielberg responde: "COMO SABEREI O QUE É O ALÍVIO, SE NUNCA SENTIR A DOR?"

MORAL DA HISTÓRIA
"A explicação da realidade está na lógica do absurdo."